Ultimamente tenho reparado que os artistas, os verdadeiros, têm um amor aos livros sobrenatural. Digo sobrenatural, porque esse amor parece estar por cima da natureza do que entendo ser o amor aos livros.
Não sei se o que os move -ou demove, porque os livros tocam-nos apenas com o olhar – será devoção, admiração, puro respeito. Se será apenas a devoção, admiração e respeito que todo o verdadeiro amor contém.
Ultimamente descobri que os artistas, os verdadeiros, gostam de livros mas não da mesma maneira que as outras pessoas. Têm-lhes respeitinho. Para eles, os livros são verdadeiramente sagrados. São objectos, antes de serem livros. Não se conspurcam.
No início, custou-me a entender esta distância. Por exemplo, o meu pai sempre me ensinou que não se dá um livro sem uma dedicatória. Quantas vezes não me devolveu um livro que lhe oferecera, agitando-o com caloroso desdém no precipício do braço estendido, só porque não levava uma palavrinha?
E a dedicatória, geralmente, é para ir logo ali, escarrapachada na primeira página, por baixo do título,ou ao lado do nome do tradutor, se se der o caso. Inscrita na página,como uma incisão amorosa no tronco de uma árvore. Para sempre.
Com tudo isto, foi sem surpresa que recebi, no outro dia, um livro com uma dedicatória avulsa. Uma página solta abraçada pelas páginas intocáveis do objecto livro. Era simples e bonita, vinha com o livro, mas não o maculava.
A partir de agora, eu que escrevo o meu nome, e o lugar, e a data (o mês assim, XII, em números romanos) em todos os livros que por mim passam para ficar, vou pensar duas vezes antes de os conspurcar insolentemente. (E pensar que os livros são um dos raros domínios onde desfruto do exercício da propriedade)
Talvez passe a olhá-los com o devido respeito. A amá-los com mais distância.
A propósito de livros que não se tocam, mas se desfrutam, fiquem com este livro imaculado da deliciosa colecção D, featuring Mr. Brízio, ou Senhor Fernando, o verdadeiro artista. Lovely.
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