O velho come sashimi
Corta e come, corta e come
Dedos quadrados segurando a faca
O lombo desliza, denso e leve
Na transparência exacta da sua solidez
Podia ser uma faca japonesa
Lâmina afiada, aço contra carne
Carne contra peixe
Mas não é
E é o mesmo
Os nacos que se desprendem
Poligonais e translúcidos
São tão doces e carnudos
Quanto as cerejeiras molhadas
O velho dá passos todos os dias
Longas caminhadas para lado nenhum
O coração cortado,
Apertado solta-se
Pela faca do tédio
Da contemplação
Do ennui
Dos dias de calor
Que bom não fazer nenhum
e não ter nada que fazer
comer, dormir, sonhar
sashimi e as estrelas
passos e páginas
E só o bafo de um charuto grosso
como os dedos curtos,
na finura do lombo
como protecção
(a foto é de uma bandeja da imaculada Hay, design de Clara von Zweigbergk, que estava, tentadora, na Fabrica Features de Lisboa)
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